Esses temas são cruciais porque,
para milhões de brasileiros, o que importa é ter escola de qualidade, sistema
de saúde funcional, emprego digno, segurança — não apenas debates ideológicos
ou prolongados de costura partidária. Assim, a reflexão precisa ser em que
medida a Câmara está realmente dada prioridade ao que importa para a maioria da
população?
Quando a pauta se
desvia
Mesmo com a agenda econômica
prioritária mencionada, há pautas consideradas por muitos como menos urgentes
sendo colocadas em votação ou obstruídas. Um exemplo: o debate para aumentar o
número de deputados federais — mais cadeiras, mais custo, questionamento se
isso era prioridade frente a tantos problemas urgentes.
Do mesmo modo, uma reportagem
indica que “com maioria conservadora, comissão da Câmara vira arena de debates
para pautas de costumes”, ou seja, temas que tendem a gerar visibilidade ou
polarização, mais do que impacto direto em direitos sociais. Há registros de
sessões tumultuadas, obstruções, disputa de pautas que não necessariamente
agregam à solução de problemas estruturais.
Quando isso vira rotina, aquilo que é urgente – reformas estruturais,
políticas públicas de base – acaba ficando para segundo plano.
Pesquisa recente mostra que cerca
de 70% dos deputados não apoiam agendas como o fim da escala 6×1, ou a taxação
de super-ricos — medidas diretamente ligadas à justiça social. Isso sugere que a prioridade legislativa pode
estar desalinhada com as expectativas da população mais vulnerável.
Por que isso importa
para o Brasil?
Quando a Câmara pauta o que “não
importa” prioritariamente ou deixa de dar andamento ao que importa, os efeitos
são reais:
Políticas essenciais ficam
travadas, causando atraso no atendimento à população. A sensação de que “os
parlamentares cuidam de si mesmos” reforça a descrença nas instituições. Em
momentos de crise (econômica, sanitária, social), a institucionalidade precisa
estar mais do que nunca orientada para o bem-comum, não para disputas
miméticas. Além disso, a própria governabilidade e legitimidade democrática se
abalam quando o Parlamento parece distante das grandes prioridades nacionais.
Já foi comentado que “o Congresso não pode ficar só debatendo questões de
interesse dos parlamentares”.
Para eu e muitos analistas,
podemos listar algumas prioridades que a Câmara deveria colocar no centro:
- · Educação de qualidade, com financiamento adequado e política de longo prazo.
- · Saúde pública forte, especialmente pós-pandemia, com atenção à infraestrutura e aos profissionais.
- · Reforma tributária justa, para que quem tem mais contribua mais, e para que o sistema não pese sobre os mais pobres.
- · Segurança pública eficaz, combinando ação e garantia de direitos — a presidência da Câmara já apontou isso.
- · Política de emprego e crescimento econômico inclusivo: não apenas crescimento de números, mas geração de oportunidades reais em diferentes regiões.
- · Transparência, combate à corrupção, economia de recursos públicos: porque o Estado funciona melhor quando gasta bem.
- · Debate ambiental responsável: não podemos negligenciar o tema sob argumento de “outro dia votamos isso” — ele implica em futuro coletivo.
Como a Câmara pode
“voltar ao foco”
Algumas medidas que me parecem
importantes: Organização clara de agenda legislativa com prioridades nacionais,
e menos dispersão em pautas simbólicas ou de baixa repercussão social. Acordos
inter-partidários focados em temas estruturantes, superando polarizações que só
travam decisões. Maior participação da sociedade civil na definição de
prioridades — para que as demandas reais de diversos segmentos sejam escutadas.
Transparência plena: que os
debates e votações sejam explicados e que se veja por que cada pauta entra ou
não na fila. Revisão de hábitos de obstrução ou de pautas-“show” que geram
mídia mas não entregam efeitos concretos. Mensuração de impacto: aprovação de
leis é só o começo; é necessário acompanhamento de resultados para que se veja
se “importou”.
Sim — a Câmara dos Deputados precisa pautar aquilo que realmente importa. A legitimação dessa casa depende disso. E o Brasil não tem luxo de adiar os grandes desafios. A sociedade cobra eficácia, não espetáculo parlamentar. Mas também é justo admitir que há esforços no sentido de priorizar temas relevantes: a presidência da Câmara já falou em deixar “pautas tóxicas” para trás. O problema é que a distância entre discurso e prática continua grande, e até que esse hiato se feche, seguirá a sensação de que “o que importa” está sempre em segundo plano.
* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Página PB.
