Por Jefferson Procópio - A câmara precisa pautar a urgência do “realmente importa”


A Câmara dos Deputados é a casa legislativa mais próxima da população brasileira, onde se esperam decisões que impactem de fato a vida cotidiana: educação, saúde, segurança, emprego, tributos justos. Recentemente, a própria presidência da Câmara defendeu que se eleja uma pauta que “contribua para o crescimento do país, geração de emprego, segurança e justiça social”. E, de fato, alguns temas são emergentes: orçamento, reforma tributária, regulação de redes sociais, segurança pública.

Esses temas são cruciais porque, para milhões de brasileiros, o que importa é ter escola de qualidade, sistema de saúde funcional, emprego digno, segurança — não apenas debates ideológicos ou prolongados de costura partidária. Assim, a reflexão precisa ser em que medida a Câmara está realmente dada prioridade ao que importa para a maioria da população?

Quando a pauta se desvia

Mesmo com a agenda econômica prioritária mencionada, há pautas consideradas por muitos como menos urgentes sendo colocadas em votação ou obstruídas. Um exemplo: o debate para aumentar o número de deputados federais — mais cadeiras, mais custo, questionamento se isso era prioridade frente a tantos problemas urgentes.

Do mesmo modo, uma reportagem indica que “com maioria conservadora, comissão da Câmara vira arena de debates para pautas de costumes”, ou seja, temas que tendem a gerar visibilidade ou polarização, mais do que impacto direto em direitos sociais. Há registros de sessões tumultuadas, obstruções, disputa de pautas que não necessariamente agregam à solução de problemas estruturais.  Quando isso vira rotina, aquilo que é urgente – reformas estruturais, políticas públicas de base – acaba ficando para segundo plano.

Pesquisa recente mostra que cerca de 70% dos deputados não apoiam agendas como o fim da escala 6×1, ou a taxação de super-ricos — medidas diretamente ligadas à justiça social.  Isso sugere que a prioridade legislativa pode estar desalinhada com as expectativas da população mais vulnerável.

Por que isso importa para o Brasil?

Quando a Câmara pauta o que “não importa” prioritariamente ou deixa de dar andamento ao que importa, os efeitos são reais:

Políticas essenciais ficam travadas, causando atraso no atendimento à população. A sensação de que “os parlamentares cuidam de si mesmos” reforça a descrença nas instituições. Em momentos de crise (econômica, sanitária, social), a institucionalidade precisa estar mais do que nunca orientada para o bem-comum, não para disputas miméticas. Além disso, a própria governabilidade e legitimidade democrática se abalam quando o Parlamento parece distante das grandes prioridades nacionais. Já foi comentado que “o Congresso não pode ficar só debatendo questões de interesse dos parlamentares”.

Para eu e muitos analistas, podemos listar algumas prioridades que a Câmara deveria colocar no centro:

  • ·        Educação de qualidade, com financiamento adequado e política de longo prazo.
  • ·        Saúde pública forte, especialmente pós-pandemia, com atenção à infraestrutura e aos profissionais.
  • ·        Reforma tributária justa, para que quem tem mais contribua mais, e para que o sistema não pese sobre os mais pobres.
  • ·        Segurança pública eficaz, combinando ação e garantia de direitos — a presidência da Câmara já apontou isso.
  • ·        Política de emprego e crescimento econômico inclusivo: não apenas crescimento de números, mas geração de oportunidades reais em diferentes regiões.
  • ·        Transparência, combate à corrupção, economia de recursos públicos: porque o Estado funciona melhor quando gasta bem.
  • ·        Debate ambiental responsável: não podemos negligenciar o tema sob argumento de “outro dia votamos isso” — ele implica em futuro coletivo.

Como a Câmara pode “voltar ao foco”

Algumas medidas que me parecem importantes: Organização clara de agenda legislativa com prioridades nacionais, e menos dispersão em pautas simbólicas ou de baixa repercussão social. Acordos inter-partidários focados em temas estruturantes, superando polarizações que só travam decisões. Maior participação da sociedade civil na definição de prioridades — para que as demandas reais de diversos segmentos sejam escutadas.

Transparência plena: que os debates e votações sejam explicados e que se veja por que cada pauta entra ou não na fila. Revisão de hábitos de obstrução ou de pautas-“show” que geram mídia mas não entregam efeitos concretos. Mensuração de impacto: aprovação de leis é só o começo; é necessário acompanhamento de resultados para que se veja se “importou”.

Sim — a Câmara dos Deputados precisa pautar aquilo que realmente importa. A legitimação dessa casa depende disso. E o Brasil não tem luxo de adiar os grandes desafios. A sociedade cobra eficácia, não espetáculo parlamentar. Mas também é justo admitir que há esforços no sentido de priorizar temas relevantes: a presidência da Câmara já falou em deixar “pautas tóxicas” para trás.  O problema é que a distância entre discurso e prática continua grande, e até que esse hiato se feche, seguirá a sensação de que “o que importa” está sempre em segundo plano. 


* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Página PB.

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